Meu pai costumava juntava-nos quando faltava energia em nossa casa para contar-nos a história do bicho papão. Meu coração batia forte. Era um misto de pânico e aflição. Encontrei-me, depois de tanto tempo, com as sensações vividas outrora.
A tragédia em Suzano fez-me recordar aquelas noites. As tentativas de compreensão são muitas. Porém, ouso reforçar a importância da constelação familiar na formação da criança e, consequentemente, na constituição de um jovem maduro para o enfrentamento das frustrações, seguro para superar desafios e emocionalmente equilibrado.
Cada vez mais, constatamos a insubstituível presença da família no cotidiano dos filhos. Julgamo-nos protegidos ao assegurarmo-nos da presença deles, supostamente guardados em seus quartos. Esquecemo-nos que, nessa pseudo segurança, muitas vezes, eles são acolhidos pelo mundo cruel, da internet, das redes sociais, capaz de levá-los até o maior dos “bichos papões”: a ausência do sentido da vida.
Precisamos ocupar o lugar de pais de nossos filhos, alimentar relações, reforçar o cuidado no olhar, o compromisso com seus comportamentos e, acima de tudo, exercer o nosso papel de orientador.
Na perspectiva do compromisso, a escola faz-se parceira na compreensão de seu papel na formação do indivíduo. Cada sujeito tem sua singularidade, suas necessidades, que precisam ser respeitadas e valorizadas. Assim, faz-se urgente a inversão de valores ainda enraizados nos currículos escolares.
Fazendo referência ao teórico Pinar, devemos responder ao questionamento: “Qual o conhecimento mais valioso?”, que indivíduos queremos formar, quais inteligências a escola precisa desenvolver?”“.
Ao assistir à cena dos rapazes adentrando naquela escola, uma ação ficou em minha memória: o jovem coloca seu caderno no chão e abre a mochila…o final poderia ser outro, no lugar do massacre, jovens voltando às suas escolas, munidos de seu material, compartilhando saberes, experiências e afetos.
Naquela manhã, na Escola Estadual Raul Brasil, a luz se apagou e o bicho papão voltou a aterrorizar.
Um pouco de nós ficou no chão daquela Escola!
Albanisa Gomes
Diretora do Colégio Santo Inácio